Desconserto


Três meses.
É tempo demais.
Eu continuo envelhecendo um ano por dia.
E os dias não esperam que ele me procure, não esperam por mim e não me trazem nada de bom.
Essa chuva me machuca, mas não me adoece, não sou capaz de adoecer ainda mais.
O frio já se viu bem recebido e sabe que está em boa companhia.
Esta rua maldita, cheia de poças, buracos, remorsos, sujeira, desejos e perguntas.
Perdi a vontade, a vergonha e os sentidos há tantos silêncios, que nem sou capaz de lembrar quando.
Os faróis me iluminam como se eu fizesse parte desse muro molhado horrível.
Por algum tempo, tive vergonha de seguir minha vida sem ele, de me saber sem ele e de me saberem completamente sem ele.
Como algo pode ser completo sem ele?
A vida em preto e branco, o frio, o cigarro e a dor.
O alto do prédio surge em meio a árvores encharcadas de água da chuva.
Eu sorrio ao lembrar o poeta português indagando o quanto da água salgada do mar são lágrimas... se minhas lágrimas fossem doces, e se eu ainda tivesse lágrimas...
Mas ele nunca me procurou.
Não responde cartas, não retorna ligações nem liga o celular.
Nunca é tempo demais.
Ele simplesmente me esqueceu.
Entro no prédio com pressa e o porteiro de sempre, sempre distraído, sempre preguiçoso, sempre sem me notar, mantêm sua rotina.
No elevador, chego a sentir o cheiro dele, vejo suas mãos tão brancas e seus olhos maravilhosos.
Por um momento, assim que o elevador pára no oitavo andar, eu me dou conta de que ele deve estar fora da cidade. Sempre foi tão ocupado, tão importante e tão preocupado. Sempre teve uma vida cheia de compromissos. E sei que um dia, assim que ele tiver tempo, vai me procurar. Aí, quem sabe eu possa contar do que o médico andou falando sobre meus exames e que alguma coisa aconteceu com a pensão que deixei de receber.
Ele sempre disse que cuidaria de mim, e ele é um filho maravilhoso.
Só está meio ocupado.
Graças aos céus, dou meia volta e refaço o caminho molhado e frio em direção à minha casa, pra onde, muito provavelmente ele esteja telefonando nesse exato momento.



Comentários

  1. espero que o gre e a susu nunca façam uma desfaçatez dessas.

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