Choram Marias e Clarices no solo do Brasil.



Tô aqui brigando com meu projeto de iniciação científica, vai ser isso a Páscoa todinha...
Primeiro pq eu não sossego e fico arrumando mais livros e mais livros e mais livros pro referencial teórico e (é claro) vou ter de arrumar tempo de ler tudo. Tô fazendo o fichamento do "Eu não sou cachorro não", peguei mais três sobre censura, ditadura & jornalismo e queria muito ler o da Rosa Monteiro que a Leda me deu de aniversário...
Fora que a UNIP (dãã) não dá porra nenhuma e eu vou tentar pelo CNPq, que paga as despesas, os livros e a mensalidade da faculdade (tô aprendendo a largar de ser boba).
Um desses livros é o Dossiê Herzog (que tá quase todo no DVD do documentário sobre ele, mas eu preciso ler, sabem como eu sou...).

Enfim, quando eu comecei a trabalhar com pesquisa de mercado, foi pela mão da Lyzia, sócia da Clarice Herzog (viúva do dito cujo) e acabamos fazendo muitos projetos juntas. Ela nunca me falou nada sobre aquela época, nem sobre ele (nem eu perguntei); e eu sempre tive a imagem dela como empresária super bem sucedida (vcs não imaginam como se ganha dinheiro em pesquisa de mercado), uma mulher fodona e nunca consegui vê-la de outra forma. Ela é rápida super articulada e as más línguas sempre disseram que a melhor coisa que aconteceu na vida dela foi ter perdido o marido como perdeu, que assim virou a viúva do Brasil e capitaliza essa viuvez até hoje.

Uma vez, passamos a páscoa no sítio que era deles em Bragança. Como estávamos com as crianças e o Grê era pequeno, dormimos no quarto do casal (cheio de fotos deles, e cheio de livros que eram do Vlado). Maluca como eu sou, sonhei a noite inteira em preto e branco, sonhos com polícia e muita angústia.
O Vlado era um assunto tabu e a gente simplesmente passou por cima, até a hora em que estávamos na cozinha e ela pediu pra cozinheira fazer feijão com abóbora pro almoço e a cozinheira identificou na hora como "o feijão que o seu Vlado gostava".

Tô meio querendo ligar pra ela e ver se ela não está a fim de ir na UNIP pra gente falar da ditadura pra meninada; mas ainda não resolvi. Sinceramente não sei se quero pedir isso pra ela.


O caso é que eu, lendo aquele bendito dossiê, vejo uma mulher comum com dois filhos pequenos, perdendo um marido estupidamente e lidando com coisas corriqueiras e inerentes, como avisar amigos e explicar pros meninos o inexplicável, ao mesmo tempo que era capaz de pensar nas coisas mais geniais e estratégicas.
Quem pensaria em atrasar o enterro e providenciar uma segunda autópsia? Ela pensou.
Quem enfrentaria todas as mentiras e os cala a boca que se seguiram à morte do Vlado? Elazinha.
A Clarice não era uma mulher da guerrilha, nem estava engajada em porra nenhuma, mas foi capaz de fazer tudo que foi possível e preciso, como se tivesse sido treinada pra isso.

A covardia dos militares era tamanha que numa ocasição, pouco depois do enterro, um auditor chamou a todos (amigos e familiares) para esclarecer as circunstâncias do "suicídio". Depois de absolutamente todos que conviviam com o Herzog terem dito que ele era o tipo de pessoa que JAMAIS cometeria o suicídio, o tal auditor perguntou para dona Zora (mãe do Vlado) como ela se sentira quando soube que o filho estava morto.
Ao que ela respondeu: quis morrer. E ele, imediatamente ditou pro escrevente : "Registre que a depoente afirmou que ao saber da morte do filho manifestou vontade de se suicidar também".

Eu fico pensando na força que uma pessoa que sofreu esse tipo de tortura psicológica (já que não sou capaz de imaginar o que é ser fisicamente torturado e viver pra contar) precisa ter pra continuar acredidando na humanidade e não desistir de tudo.
Eu, com certeza, jogaria a toalha, assinaria qualquer merda pra proteger minha pele de covarde.
Mas não foi isso que a Clarice fez.

A gente precisa aprender a lembrar que as pessoas trazem histórias que a gente não vê, e não faz idéia, antes de sair julgando...

Comentários

  1. Querida Elainem vc é de uma precisão e sensibilidade maravilhosas.
    Parabéns.

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  2. Chefa, alguém uma vez disse que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. E não corrompe apenas financeiramente, corrompe-se o indivíduo em todos os aspectos, e daí a covardia. Os militares não eram covardes por serem militares, mas pelo simples fato de se sentirem impunes. A impunidade, e a história é farta em exemplos, produziu descalabros difíceis não apenas de aceitar, mas de entender.
    Eu, se fosse Você, convidava D. Clarice. Sou capaz de apostar que ela não apenas vai, mas que também ficará muito feliz em contar a quem nem era nascido tudo o que passou. É quase um desagravo, e essas coisas jamais podem ser esquecidas, porque senão morre-se em vão. E por mais covardes que tenham sido os assassinos, o Herzog não morreu em vão. O que Você acha? Beijussssss.

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  3. Realmente uma mulher admirável, seria uma honra assitir a uma palestra dela. Beijossss

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